Na noite antes de Mariana se mudar para a capital
do estado, sua mãe, Lúcia, sentou-se na beira da cama, em meio a caixas de
papelão e malas abertas. Ela não trazia um presente caro, apenas uma pequena
caixa de veludo gasta. Dentro, um colar de pérolas simples, o mesmo que Lúcia
usara em seu próprio casamento.
“Isto não é uma joia, filha”, disse Lúcia, com a
voz embargada. “É um lembrete.”
E então, como fizera por toda a vida, ela destilou
sua sabedoria em frases curtas, quase telegráficas.
“Seja a primeira a sorrir. Um coração grato não
tem espaço para inveja. E o mais importante: nunca se esqueça de conversar com
Deus, mesmo que seja só para dizer ‘obrigada’.”
Ao lado delas, seu pai, Roberto, acrescentou com
sua voz grave e calma:
“Mariana, o mundo vai te oferecer muitos atalhos.
Lembre-se que o caminho certo raramente é o mais fácil. Trabalho honesto e uma
consciência limpa são o melhor travesseiro.”
Mariana abraçou os pais, sentindo o misto de
empolgação e pavor. Ela amava a simplicidade deles, mas, no fundo, sentia que
seus conselhos eram… insuficientes. Eram para uma cidade pequena, para uma vida
que ela estava deixando para trás. Na capital, na agência de publicidade onde
seria trainee, a linguagem era outra: networking, disrupção, KPIs, concorrência
acirrada. Um “coração grato” não pagaria seu aluguel.
As primeiras semanas foram um turbilhão. Seu
apartamento era um cubículo com vista para uma parede de tijolos. O trabalho
era implacável. Sua chefe, Verônica, uma mulher elegante e cortante, parecia
sentir um prazer sádico em desmerecer o trabalho dos novatos.
“Isso é o seu melhor?”, ela dizia, jogando a
apresentação de Mariana de volta na mesa. “Isso é amador.”
Uma noite, durante um happy hour, Mariana
ouviu o conselho de seus colegas mais experientes.
“O segredo aqui é ser visto”, disse um deles. “Não
importa se a ideia é sua, o que importa é quem a apresenta na reunião. E,
claro, você tem que saber a última fofoca sobre todo mundo. Informação é poder.”
Aquele era o “ensino” do seu novo mundo. Mariana,
sentindo a pressão para se enturmar, começou a participar. Riu de uma piada
sobre um colega que fora demitido, ficou em silêncio quando Verônica humilhou
outra trainee, começou a ver seus colegas não como pessoas, mas como degraus ou
obstáculos. Os conselhos de seus pais pareciam um dialeto esquecido de uma
terra distante. O colar de pérolas ficava guardado no fundo da gaveta.
A oportunidade de usar o “atalho” veio
rapidamente. Mariana teve uma ideia brilhante para a campanha de um novo
cliente. Trabalhou nela durante o fim de semana. Na segunda-feira, antes que
pudesse apresentá-la, ouviu seu colega, Ricardo, explicando a sua ideia para
Verônica, com pequenas alterações. Ele a havia visto em seu computador.
Um veneno gelado subiu pela sua espinha. A
primeira reação foi a raiva, o desejo de expô-lo, de entrar no jogo sujo. Lutar
com as mesmas armas. Mas, enquanto sua mente formulava as palavras de acusação,
a voz de seu pai ecoou em sua memória: “Trabalho honesto e uma consciência
limpa são o melhor travesseiro.”
Ela não disse nada. Assistiu, com o coração
apertado, Ricardo levar o crédito. Naquela noite, ela não conseguiu dormir. O
travesseiro parecia cheio de pedras.
Na manhã seguinte, exausta, ela se sentia
derrotada. No metrô lotado, todos pareciam cinzentos, exauridos. E então, ela
se lembrou da voz de sua mãe: “Seja a primeira a sorrir.” Era um pensamento
absurdo, ridículo. Mas, movida por um impulso que ela não compreendia, olhou
para uma senhora idosa espremida ao seu lado e sorriu. Um sorriso pequeno,
cansado. A senhora, surpresa, sorriu de volta, e por um instante, o vagão
pareceu menos opressivo.
Foi uma pequena fresta de luz. Ao chegar ao
escritório, em vez de se sentar em sua mesa ruminando a injustiça, ela foi até
a copa e preparou um café. Levou uma xícara para a jovem trainee que havia sido
humilhada no dia anterior.
“Seu trabalho ontem era bom”, disse Mariana,
simplesmente. A garota a olhou com os olhos cheios de lágrimas e gratidão.
Mariana não sabia, mas Verônica, a chefe,
observava a cena da porta de sua sala.
Naquele dia, Mariana não focou na traição de
Ricardo. Focou em fazer seu trabalho com a excelência que seu pai ensinara. Ao
final do expediente, quando se preparava para ir embora, Verônica a chamou.
“Sua ideia para a campanha era muito boa, Mariana”,
disse ela, sem rodeios. “Eu sei que era sua. Ricardo não tem essa capacidade.”
Mariana ficou em silêncio, surpresa.
“O que você fez hoje”, continuou Verônica, “levando
café para a Letícia, sorrindo… isso não é comum aqui. O talento é fácil de
encontrar. O caráter é raro. Amanhã, você vai trabalhar diretamente comigo
nesse projeto. Quero ver o que mais você tem.”
Ao chegar em casa, Mariana abriu a gaveta. Pegou a
pequena caixa de veludo e tirou o colar. As pérolas estavam frias ao toque, mas
quando as colocou no pescoço, sentiu um calor que parecia emanar de dentro.
Ela se olhou no espelho. Os conselhos de seus pais não eram algemas, nem um peso. Eram, de fato, a coisa mais bonita que ela possuía. Não eram apenas palavras, mas um enfeite invisível de graça que a protegia, e um colar que lhe dava uma dignidade que nenhuma posição na empresa jamais poderia oferecer. Eram a sabedoria que a diferenciava, que a tornava valiosa não apenas como profissional, mas como pessoa. E, pela primeira vez em muito tempo, ela se sentiu verdadeiramente em casa.
(Feito com IA)